sexta-feira, 14 de junho de 2013

‘Foi desproporcional’, diz pesquisador da USP sobre ação da PM em protesto em SP

Natália Peixoto - iG São Paulo

A atuação violenta da Polícia Militar (PM) de São Paulo na noite da última quinta-feira (12) para conter o protesto contra o aumento da tarifa de ônibus foi “desproporcional” e reaviva as memórias dos confrontos entre população e polícia durante a ditadura militar. É o que avalia o pesquisador Frederico Castelo Branco, especialista em violência policial do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).
Para Castelo Branco, o grande número de feridos na cabeça e a forma de atuação da PM indicam que a ação era para desmobilizar, desestimular e evitar que as pessoas voltem às ruas para engrossar as manifestações. Segundo ele, o grande número de jornalistas detidos e agredidos mostra despreparo dos PMs para lidar com as manifestações. “Se ele atira em uma pessoa com uma máquina fotográfica ou há mal preparo ou alguma intenção além disso”, disse o pesquisador.
Na noite de ontem (13), manifestantes se reuniram no centro de São Paulo para o 4º dia de protestos contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus. A PM prendeu mais de 200 pessoas, a maioria antes do protesto começar, por portarem vinagres e outros objetos suspeitos.
Hoje, o prefeito Fernando Haddad (PT) declarou que as imagens desta quinta-feira (13), sugerem o abuso do poder policial e que a prefeitura já se colocou a disposição de um diálogo com o movimento, desde que os protestos não apresentem atos de vandalismo. 
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que os "possíveis abusos serão investigados" e reiterou que "é dever da polícia proteger a população, garantir o direito de ir e vir, [o direito do] comércio abrir, preservar o patrimônio público e o patrimônio privado".
Confira a íntegra da entrevista ao iG :
Como o senhor avalia as ações da polícia nas últimas manifestações? Haddad condenou os excessos, mas viu uma exceção na atuação ontem (13). O governador  disse que a polícia agiu como devia.
Foi uma ação desproporcional. Os vídeos na internet mostram tudo. Fica uma sensação de que houve uma ação demonstrativa de força, para desestimular as pessoas. Não tem como afirmar isso, mas é a sensação que fica. O uso das armas, mesmo não letais, causaram ferimentos nas cabeças das pessoas. Se o objetivo é dispersar, não se mira na cabeça. É isso que assustou muito e até quem não tinha um partido na discussão começou a questionar.
Mas os policiais agiram fora do padrão deles de comportamento?

Violência policial não é um fenômeno novo, diariamente se tem notícias disso não só no Brasil, e a gente pode contextualizar com a onda de assassinatos que aconteceu ano passado em São Paulo. São coisas diferentes, mas que estão de alguma forma ligada. O uso da força pela polícia ainda é uma questão muito urgente no Brasil. É rotineiro o uso da força exacerbada no Brasil, e há apoio de uma parte da população. Se você pegar a declaração do promotor que estimulou a violência, se você tirar o fato que ele é promotor, o que torna grave a manifestação, ele representa parte da população.
Hoje uma pesquisa Datafolha mostra que 55% da população aprovam as manifestações...
Eu acho que o cenário hoje é diferente, porque a pesquisa foi feita após a manifestação de terça, quando teve grandes atos de vandalismo. Ontem foi diferente, sem os atos, e esse número pode mudar.
E os policiais foram em grande número para às ruas, com choque, cavalaria.
O uso da força pela Polícia é institucional e uma questão política de comando. Existe uma questão hierárquica, e houve uma orientação para agir naquele sentindo. E há também apoio da população a favor disso, que acha que o uso da força como controle é o certo.
O que o senhor acha dessa política usar a polícia para cuidar de manifestações de movimentos sociais?
Isso é comum. A polícia acompanha, e a dificuldade é lidar com isso. A minha preocupação é o que pode acontecer daqui para frente. Com a Copa das Confederações, os movimentos sociais, com suas demandas mais que legítimas, tendem a sair mais, fazerem mais protestos, e nós vamos estar no noticiário internacional, estaremos sendo observados e a polícia vai usar a força para manter a ordem. Toda manifestação tem esse risco de vandalismo, desse tipo de tensão.
Muitos jornalistas foram agredidos, e ficou a impressão que a polícia agredia todo mundo, sem distinção. Há falta de preparo?
Se ele atira em uma pessoa com uma máquina fotográfica, ou há mal preparo ou alguma intenção além disso. Ontem houve uma tentativa de dispersar. Olhando a cronologia, a tentativa mesmo era que o protesto não seguisse em frente. Não sei se foi uma ação bem sucedida, por que não conteve, pelo contrário, a manifestação até se espalhou. O número de feridos, a forma que as pessoas foram feriadas, eu fiquei bem assustado, parecia uma intenção de dissuadir, para desencorajar as pessoas a participarem.
O governador disse que a polícia precisava garantir o direito da população de ir e vir.
Ontem eles não garantiram isso, eles fecharam a rua Augusta, a Consolação e a Paulista, se esse era o objetivo eles não lograram sucesso. Manifestação não tem jeito, não estou defendendo manifestações aqui, mas não existe manifestação sem transtorno, se não ela não é ouvida.
Nas redes sociais, houve o comentário de que a nas manifestações, a classe média passa pelas mesmas violências da polícia que a periferia passa cotidianamente.
Acho complicado falar esse tipo de coisa. Nos levantamentos existem certos grupos que seriam mais vítimas. No fundo, esse argumento desmerece a violência que a classe média está sofrendo. A violência policial é ruim para todo mundo. A sociedade democrática pressupõe uma polícia que garanta direitos.
Muitos manifestantes gritavam que a polícia estava voltando a 1964, a época da ditadura. O senhor acha declaração um exagero?
Exagero não é, as pessoas lembram esses momentos históricos. A gente tem a mesma polícia, com a nova Constituição em 1988, uma das únicas áreas que não teve reforma foi a Segurança Pública. E esse caráter militar dela é o mesmo da época da ditadura. Existem vários estudos que dizem que a dificuldade de fazer um monitoramento civil decorre um pouco dessa formação da militar. O militar é treinado para o confronto. É normal as pessoas fazerem esse link, de certa forma há uma continuidade. Mas não há só coisa ruim, a polícia mudou sim, mas existe um pouco dessa continuidade. A questão do uso de força excessiva como política de segurança também existe.
Ontem à noite, na Av. Paulista, por volta da 22h, o efetivo policial era impressionante. Havia dois ônibus do choque para conter os manifestantes que não estavam mobilizados, parecia que o choque estava em formação contra ninguém. É normal esse tipo de ação?
Não era uma situação que, aos nossos olhos, merecessem uma formação estratégica. Mas o confronto é parte da formação deles. É necessidade de demonstrar o que eles são capazes de fazer para desestimular como um todo. Para quando houver manifestação, os moradores não irem para rua, nem os manifestantes.

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