domingo, 3 de maio de 2015

Família recorda história da Alfaiataria Meia Lua, prestes a completar um século

Por Mauro Morais
Encontro de gerações: Denize, os pais Gilson e Ana Lúcia e a tia Noemi (Foto: Marcelo Ribeiro/27-04-15)
Nos dias que correm, por muitas vezes é o trabalho que cria as distâncias de dentro de casa. Desencontros de um presente produzindo ecos em todo o futuro. Entre os descendentes de Fernando Augusto Dias, um português que aos 13 anos desembarcou no Brasil ao lado dos irmãos, os tecidos e linhas reforçam o elo que o sangue eterniza. Os Dias Barreto dão fôlego ao que Fernando, falecido aos 91 anos, vislumbrou como alimento para toda a vida. Alfaiate, o homem criou seus 11 filhos costurando para civis e militares no negócio fundado pelo tio, Antônio Dias. Localizada numa região antes reconhecida por suas vilas e pelo hospital militar, o Bairro Fábrica, a Alfaiataria Meia Lua está prestes a completar um século de existência, já que não há uma data precisa de sua fundação, apenas o ano, 1921, da chegada de Fernando a Juiz de Fora.
O estrangeiro que escolheu a cidade como porto sempre esteve rodeado por parentes. Seus oito sócios eram o tio, irmãos e cunhados. Hoje, seu genro e sua nora administram, enquanto duas filhas e uma prima costuram e um primo corta. “Aprendi a cortar com ele. Lembro-me que ele trabalhava bastante, me levava para a loja, e ficávamos enfestando pano”, conta Ana Lúcia, uma das filhas, recordando, ainda, da mãe, que em casa, fazia bibicos militares, espécies de chapéus para a área da saúde. Responsável pela execução de bandeiras, sentada numa máquina de costura, Noemi, outra filha, fala do que sente ao entrar, dia após dia, em seu local de trabalho. “Sinto muitas saudades”, diz.

Para o sempre

Em 1975, já bastante cansado, Fernando decidiu-se por fechar as portas da empresa, mas os clientes foram até sua casa pedindo por seus serviços. Três anos depois, retornou, a pedido do genro, Gilson Barreto. “Acidentei-me de carro, perdi uma perna, e, sem ter o que fazer, reabri a alfaiataria”, lembra Gilson, que, por alguns anos, viajou pela região tirando medidas de militares de outras cidades, como Rio de Janeiro, Resende, Taubaté, Belo Horizonte. Hoje, o mesmo trabalho é feito por um funcionário. “Só aqui não dá. Não temos escolas de formação na cidade, então buscamos mais clientes”, afirma ele, dizendo nunca ter costurado, apenas gerenciado. “Conheço o trabalho e sei quando é de boa qualidade, mas não sou alfaiate”, ri. O sogro apontou-lhe os caminhos e, pouco a pouco, Fernando foi se distanciado, sem cortar os laços com a máquina de costura. Já com avançada idade, foi perdendo a visão, mas continuou costurando, fazendo colchas de retalhos para doações.

Na ativa

Na casa de número 1.079, na Rua Bernardo Mascarenhas, onde ficam a loja e o ateliê, não há espaço para a aposentadoria, coisa que fica só no papel. Assim, como Fernando, o genro Gilson também não parou, e nem o mais antigo alfaiate do lugar, Silvério Durso. Aos 86, ele soma mais de 30 anos de casa, duas aposentadorias, além de um cargo de prestígio na década de 1970. Silvério foi prefeito de Senador Firmino, cidade da Zona da Mata, com pouco mais de sete mil habitantes, segundo Censo de 2010. “Não é vantagem ter sido prefeito. Só tive prejuízos”, ri o senhor simpático enquanto alinhava um paletó marrom. Na família que os Dias Barreto tomaram para si, também estão os antigos funcionários Gilson, Lúcia e Raul, os dois últimos filha e neto de Antônio, um dos fundadores. Além deles, está Agnaldo, de 48, que chegou como auxiliar de serviços gerais e tornou-se cortador, recebendo, hoje, elogios de Silvério pelo corte exato.

Com rigor

Atualizado, o negócio que antes fazia todos os bordados à mão, agora possui diferentes e modernas máquinas. “Muita coisa mudou, maquinário, tecidos e aviamentos. Além disso, a mulher entrou para o exército”, comenta Gilson Barreto. Mas ainda prevalece a rigidez dos trajes e dos clientes militares. “O militar tem o regulamento dele, falando de cada medida. Não podemos fazer por nosso gosto, tem que seguir um padrão. Isso é bom, porque pelo menos temos a certeza de que vai dar certo”, diz a esposa de Gilson, Ana Lúcia, apontando para a escassez de profissionais nos dias de hoje. “Não tem concorrência. Dos antigos, muitos já morreram, e não aparecem os mais novos para fazer. Se eu quisesse ampliar, poderia, basta que apareça mão de obra”, pontua o pai de Denize Dias Barreto Giovannetti, a representante da terceira geração da família, que ocupa a bancada. “Gosto muito dessa tradição da roupa militar. Abri mão de outras oportunidades profissionais e estou aqui há 25 anos”, conta ela. Ao lado do pai, da mãe, da tia e dos primos, Denize costura à sua vida a trajetória da família. Ponto a ponto, sente nos dias cada tijolo e argamassa que edificaram a própria casa.
http://www.tribunademinas.com.br/outras-ideias-com-familia-dias-barreto/

Um comentário:

  1. Saudades eternas do senhor Gilson e da senhora Noemi, que descansem em paz

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